Verificação dos fatos sobre a analogia do bombeiro com o colesterol e as doenças cardíacas
Coral Red (vermelho coral): Principalmente falso
Laranja: Enganoso
Amarelo: Principalmente verdadeiro
Verde: Verdadeiro
Alegação: Culpar o colesterol pelas doenças cardíacas é como culpar os bombeiros por um incêndio porque eles estão presentes toda vez que você entra em um prédio em chamas.
A analogia dos bombeiros (ocasionalmente trocando bombeiros por ambulâncias) foi compartilhada por vários influenciadores da saúde, que a usaram como argumento para apoiar a adequação de vários hábitos alimentares.
Embora destaque corretamente que a correlação não implica causalidade, simplifica demais o papel do colesterol, que tem um vínculo causal bem estabelecido com as doenças cardíacas, e ignora o impacto do excesso de colesterol LDL na corrente sanguínea.
As analogias podem ser muito persuasivas porque permitem explicar mecanismos extremamente complexos por meio de experiências familiares. As analogias também podem nos fazer "vibrar", o que as torna muito compartilháveis. Entretanto, é fundamental reconhecer que elas também podem levar a simplificações exageradas, equívocos ou até mesmo distorcer as evidências científicas. Continue lendo para ver uma análise detalhada da analogia do bombeiro e suas implicações: o que ela acerta, o que ela erra e o que ela deixa de lado.
As analogias podem nos ajudar a entender questões complexas. Mas elas raramente contam toda a história. Lembre-se sempre de verificar os fatos antes de fazer mudanças na dieta.
A analogia do bombeiro se baseia em um cenário simples e familiar: os bombeiros estão presentes em um incêndio para ajudar, não para causar danos. Essa comparação sugere que o colesterol, assim como os bombeiros, está presente apenas para "ajudar" e não é a causa da doença cardíaca.
Diz-se que a "verdadeira" causa das doenças cardíacas está em outro lugar. Ben Azadi sugeriu que a inflamação é a principal causa das doenças cardíacas; Anthony Chaffee destacou o açúcar como um fator importante; e Barbara O'Neill discutiu o papel central das dietas ricas em carboidratos nas doenças cardíacas.
Neste artigo, vamos desvendar os vínculos entre vários elementos do debate, que são regularmente confundidos por meio do uso da analogia do bombeiro e, em geral, por meio de discussões sobre colesterol e doenças cardíacas nas mídias sociais.
O que a analogia do bombeiro acerta ✅ e o que é esquecido ❌
Correlação não significa causalidade
Oprimeiro ponto apresentado com o uso da analogia do bombeiro é que o fato de dois elementos serem encontrados juntos não significa que um cause o outro. Isso é verdade e, de fato, muitas vezes é a fonte de desinformação sobre nutrição e saúde nas mídias sociais.
Deturpação das evidências
Emboraseja verdade que a correlação não implica em causalidade, esse argumento deturpa as evidências. Diversos estudos demonstraram uma ligação causal entre níveis elevados de colesterol LDL (geralmente chamado de "colesterol ruim") e um risco maior de doença cardíaca. Isso ocorre porque o colesterol alto no sangue pode contribuir para o acúmulo de placas, o que pode levar ao estreitamento das artérias, diminuindo o fluxo sanguíneo para o coração.
Por exemplo, essa meta-análise incluiu 53 ensaios clínicos randomizados controlados (RCTs), mostrando que, para cada redução de 1 mmol/L no colesterol LDL, houve uma redução de 15% no risco de mortalidade cardiovascular.
O colesterol é vital
Vamosesclarecer o que é o colesterol e sua função no corpo: "O colesterol é uma substância cerosa, semelhante à gordura, que ajuda o corpo a produzir membranas celulares, muitos hormônios e vitamina D. O colesterol no sangue vem de duas fontes: dos alimentos que você ingere e do fígado. Seu fígado produz todo o colesterol que seu corpo precisa." (Fonte: John Hopkins Medicine)
Como algo de que nosso corpo precisa pode causar doenças cardíacas? Essa é a questão para a qual a analogia do bombeiro chama nossa atenção, em que o colesterol é visto apenas como um "band-aid" ou um "curandeiro". Mas a questão não se trata apenas de rotular as substâncias como "boas" ou "ruins"; trata-se também de equilíbrio.
Distinguir entre colesterol e excesso de colesterol
Sim, o colesterol é vital. Assim como a inflamação, a resposta do nosso corpo a estímulos prejudiciais. E a glicose também é uma fonte de energia. No entanto, surgem problemas com o excesso, no caso do colesterol, quando há excesso de colesterol na corrente sanguínea, mais especificamente o colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL).
A analogia ignora completamente a questão do excesso. E como o fígado produz o colesterol de que nosso corpo precisa, não precisamos consumir grandes quantidades dele. Como diz o Dr. Idrees Mughal: "Todas essas pessoas que pregam a importância do colesterol parecem se esquecer de que, se o colesterol estiver alto no sangue, ele não estará nas células, onde precisa fazer o trabalho que deve fazer".
O colesterol da dieta tem pouco impacto sobre o colesterol sanguíneo
Já fizemosa distinção entre o colesterol dietético (encontrado em determinados alimentos) e o colesterol sanguíneo (a substância gordurosa que o sangue carrega). Pesquisas demonstraram que, ao contrário das recomendações anteriores, o colesterol dietético tem pouco impacto sobre o colesterol sanguíneo.
Dito isso, a capacidade de resposta individual pode variar: "Para algumas pessoas, porém, os níveis de colesterol no sangue aumentam e diminuem muito em relação à quantidade de colesterol ingerida. Para esses 'respondedores', evitar alimentos ricos em colesterol pode ter um efeito substancial sobre os níveis de colesterol no sangue."(Fonte: Escola de Saúde Pública de Harvard. The Nutrition Source)
Então, isso significa que a maioria das pessoas pode ingerir grandes quantidades de alimentos ricos em colesterol e não se preocupar com isso? Ao contrário do que sugere a analogia do bombeiro, não é tão simples assim.
Deturpação da relação entre a dieta e o colesterol no sangue
Aanalogia ignora o papel da nossa dieta geral e como ela pode afetar o colesterol no sangue. "Os tipos de gordura na dieta ajudam a determinar a quantidade de colesterol total, HDL e LDL na corrente sanguínea. Os tipos e a quantidade de carboidratos na dieta também desempenham um papel importante. O colesterol nos alimentos também é importante, mas não tanto."(Fonte: Escola de Saúde Pública de Harvard, The Nutrition Source)
A gordura saturada muitas vezes pode coexistir com o colesterol em determinados alimentos. E foi demonstrado que uma dieta rica em gordura saturada aumenta os níveis de colesterol LDL, aumentando os riscos de doenças cardíacas. Também foi demonstrado que as gorduras trans não apenas aumentam o colesterol LDL, mas também diminuem o colesterol HDL, aumentando assim o risco de doenças cardíacas e derrames. De fato, os efeitos prejudiciais das gorduras trans manufaturadas levaram à sua eliminação gradual do sistema alimentar.
Crucialmente, a analogia do bombeiro e a narrativa mais ampla que ela reforça ignoram o fato de que as doenças cardíacas são multifatoriais. Simplificar a questão a uma única causa, ou descartar totalmente o papel do colesterol, é enganoso. Considere as duas maneiras a seguir de abordar essas questões:
Simplificações exageradas da narrativa mais ampla que envolve a analogia do bombeiro
Não é o colesterol, é a inflamação.
Não se trata de colesterol, mas de dietas ricas em carboidratos.
Não é o colesterol, é o açúcar.
Vs.
🟢 Pesquisa nutricional equilibrada e baseada em evidências
Alan Flanagan sobre a Biolayne: "Chega de demonização de um único nutriente. Vamos falar sobre a dieta [...] Excluir o açúcar é um conceito errôneo. Excluir a gordura é simplista. O objetivo da saúde pública é abordar o problema mais importante: a densidade energética da dieta da população".
Para finalizar, vamos dar uma olhada mais de perto na narrativa mais ampla na qual essa analogia e discussão se encaixam, e em algumas das evidências que frequentemente são citadas para apoiá-la.
Algumas discussões que minimizam o papel do colesterol nas doenças cardíacas fazem referência a alegações históricas de influência do setor. Anthony Chaffee, entre outros, apontou uma pesquisa que mostra que o setor açucareiro pagou secretamente cientistas na década de 1960 para minimizar o papel do açúcar nas doenças cardíacas e concentrar a culpa na gordura saturada. Essas descobertas são, de fato, preocupantes e ilustram como o financiamento do setor pode corroer a confiança na ciência nutricional. Entretanto, é importante não estender demais essas descobertas além de suas implicações reais. Embora as táticas do setor açucareiro tenham efetivamente atrapalhado as discussões sobre o verdadeiro papel do açúcar no desenvolvimento de doenças, não devemos enquadrar o debate sobre a dieta e as doenças cardíacas como um simples cenário de "ou um ou outro". Simplificando, o fato de o papel do açúcar ter sido minimizado não significa que devemos ignorar as evidências sobre a gordura saturada.
Conclusão
A tendência de simplificar demais questões complexas (por exemplo, enquadrando-as como perguntas simples do tipo "ou ou") é predominante nas mídias sociais. Em particular, o foco excessivo em um único alimento ou nutriente pode nos levar a ignorar a importância de considerar a dieta geral, especialmente quando se trata de diminuir os riscos de desenvolver doenças cardíacas, que são multifatoriais. Identificar esses padrões pode nos ajudar a navegar melhor no mundo das informações nutricionais on-line.
Isenção de responsabilidade
Este artigo tem o objetivo de fornecer informações gerais e não serve como orientação médica. Quaisquer preocupações ou dúvidas sobre saúde devem ser encaminhadas a profissionais de saúde.
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Fontes
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Flanagan, A. (2017). "The Role of Sugar in Cardiometabolic Disease" (O papel do açúcar na doença cardiometabólica). Biolayne. https://biolayne.com/articles/nutrition/role-sugar-cardiometabolic-disease/
Fonte de Saúde Pública de Harvard. "Cholesterol" (Colesterol). The Nutrition Source. https://nutritionsource.hsph.harvard.edu/what-should-you-eat/fats-and-cholesterol/cholesterol
John Hopkins Medicine. "Cholesterol in the blood " (Colesterol no sangue ). https://www.hopkinsmedicine.org/health/conditions-and-diseases/high-cholesterol/cholesterol-in-the-blood
Kearns, CE., et al. (2016) Sugar Industry and Coronary Heart Disease Research: A Historical Analysis of Internal Industry Documents (Uma análise histórica de documentos internos do setor). doi:10.1001/jamainternmed.2016.5394
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Kratz M. (2005). Dietary cholesterol, atherosclerosis and coronary heart disease (Colesterol na dieta, aterosclerose e doença coronariana ). https://doi.org/10.1007/3-540-27661-0_6
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